quarta-feira, 12 de maio de 2010

O Professor

Mesmo vestido com roupas coloridas, camisa vermelha tijolo/salmão e calça verde musgo/pântano, a figura geral é sóbria e opaca. O paletó segue a mesma linha em seus tons e é feito de um tecido grosso e quase felpudo, estampado em um padrão de pequenos quadradinhos exibindo três marrons. O pulso da mão enfiada fundo no bolso da calça é rodeado por uma tarja de couro preto com fechos dourados que segura um relógio de ponteiros. A mão livre, suja de giz, ajeita os cabelos curtos e pretos, que foram penteados ao acordar, mas lentamente rebelados no decorrer da manhã. A barba cresce rápido e agrega uma sensação de cansaço ao rosto conforme brota com voracidade no queixo quadrado. Sensação essa que é reforçada pelas olheiras e olhos apertados mesmo atrás das lentes e hastes, forçados pela leitura de muitas letras miúdas grafadas em páginas amareladas. A boca, com a musculatura bem desenvolvida durante os anos de discursos ininterruptos, expele palavras em um tom quase estridente e irritado, mas com pausas científicas entre as palavras e volume modulado, destacando corretamente as freses mais importantes e, de quando em quando, obtendo êxito em prender por mais alguns instantes a atenção da turma.

Apesar de estarmos diante desse ser vivo, com movimentos e vontade própria, mesmo que muitas vezes o vejamos apenas como mais um professor, ser desprovido de vida e de qualquer outra coisa que não seja a aula ou o cigarro e café entre aulas, a grande percepção de movimentos vem de seus pés. Em parte porque os sapatos de couro marrom são a única coisa que brilham no cenário, além da projeção das transparências no quadro negro verde, em parte porque eles trabalham muito mais do que qualquer outra coisa em atividade na sala, deslizando pelo chão e permitindo um gingado entre sua audiência e seu instrumento de trabalho. É isso ai, a dança do conhecimento sendo executada calculadamente pelo experiente homem a sua frente, que estudou muito mais do que você, sabe muito mais coisas do que você, viveu muito mais do que você... Mas você não está nem um pouco interessado nisso. No momento.

Um comentário:

Pedro Gama disse...

"...os sapatos de couro marrom são a única coisa que brilha no cenário...". Gostei! Mesmo você colocando o professor num pilar de austeridade, com todos os requintes que a profissão merece, você (querendo ou não) tira completamente o brilho que a luz das idéias deveria ter iluminando, no caso, a mente dos jovens aprendizes. Educação falida, didática arcaica, sei lá... Você concorda que sobram teóricos e pensadores aos montes encalhados nas salas de aula da universidade sem incentivos à pesquisa, e faltam reais Educadores, com a didática e o brilho que carece todas essas instituições?