domingo, 4 de abril de 2010

O taxista

Lentamente todos os carros foram obedecendo a ordem do semáforo e parando com uma certa distância uns dos outros. Todos menos um. Um carro branco, com uma placa de táxi em cima diminuiu a velocidade bruscamente e só parou quando já estava colado no carro da frente, como se quisesse empurra-lo. Dentro do táxi, o taxista irritado com o trânsito que o atormentou o dia (e a vida) inteiro resolveu tentar relaxar enquanto estava parado no farol e, discretamente, massageou suas costas largas (e provavelmente peludas) contra a rede de inúmeras bolinhas de madeira clara que forravam seu acento. Infelizmente, para ele, toda sua discrição para esconder seu ato da passageira foi em vão, uma vez que é naturalmente um cara bruto, mas essa mesma brutalidade o impediu de perceber que fora flagrado se coçando. Seu sapato direito preto e lustroso, com uma grande fivela prateada, pressiona o acelerador e o carro se desloca mais alguns centímetros para frente. A impossibilidade de avançar lhe produz involuntariamente um acumulado de ar na garganta que sai sob a forma de um bufo quente e usa o braço, vestido pela manga curta da camisa, para dar uma leve pancadinha na janela onde está apoiado.

Seus olhos, cobertos pelas lentes do óculos escuros mais barato mas mais próximo possível do modelo policial rodoviário, percorreram pelos motoristas a sua volta, todos uns molengas que não sabem dirigir, e pararam no reflexo de sua passageira no retrovisor. Fez um comentário sobre o jornal que lia para puxar assunto e a moça, que estava lendo e não queria papo, respondeu qualquer coisa apenas para manter a cordialidade. Foi o suficiente para animar o motorista. Ele ajeitou a caneta no bolso da camisa branca, enxugou a linha de suor que se formava em seu queixo barbeado (a única parte do corpo passível de crescimento de pelos que não os tinha em abundância) e começou a contar os fatos para sua cliente. Ela não se mostrou muito interessada enquanto ele juntava todos os fragmentos de conversas que tinha tido com seus passageiros e as manchetes das principais noticias que tinha lido e que para todo mundo eram coisas isoladas, mas tinha certeza que existia uma grande conspiração e só ele tinha percebido. Conforme ele seguia animado em seu longo discurso, o destino da passageira se aproximou, ela emitiu uma opinião qualquer sobre o assunto para encerra-lo, pagou e foi embora. O taxista saiu, embora ainda estressado, contente, utilizando o novo ponto de vista que acabara de ganhar para sofisticar suas teorias, em busca do próximo passageiro.

2 comentários:

Pedro Gama disse...

Me incomodei um pouco com o 'slogan' do blog. Com o lance de "não fazem muita coisa". Achei mesmo em seus textos que você não tem essa opinião. Você é como um escritor dos esquecidos, dos que nunca estão, nem estarão sob os holofotes, um Bukowski contemporâneo, que ao invés de narrar a vida dos perdedores, bêbados e apostadores, narra a vida daqueles que sustentam toda essa loucura sob a qual estamos imersos. Caixas, taxistas ou o que mais vier, são pessoas que muitas vezes abdicam de orgulho e amor próprio, para desenvolver uma profissão alienante, obviamente por vital necessidade financeira, mas que colaboram para todo esse enredo continuar e nossas vidas se tornarem um pouco menos conturbadas.

Anônimo disse...

Eu gostei do slogan. No meu jeito de ver, não é que eles não fazem muita coisa pra sociedade em geral, mas pra você, a SUA pessoa. Foi assim que eu entendi.