quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O herói

E eu, que vivia reclamando da vida, que era muito chata, nada de extraordinário nunca acontecia, nunca teria imaginado que conseguiria um pouco de ação escolhendo sabonetes na farmácia. Lá estava eu, de frente para a prateleira da perfumaria quando percebi certa agitação entre os clientes na porta do estabelecimento. Não era comigo e tentei manter minha postura anti-social de não me meter em assuntos que não são meus. Porém, o assunto alheio resolveu soltar um berro anunciando que aquela movimentação atípica se tratava de um assalto.

Seguindo as ordens daqueles que ainda não tinha visto o rosto, deitei no chão de bruços, com a cabeça entre os braços e os olhos fixos no chão. E assim fiquei por um tempo, ouvindo uma conversa entre os assaltantes sem entender o que diziam já que falavam baixo e com uma quantidade de gírias incompreensíveis para mim. Porém, aquela coisa estava demorando demais, ou o tempo estava passando muito devagar e me rendi a curiosidade de dar uma espiada em volta. Foi então que eu a vi. Uma moça, provavelmente ainda abaixo dos 30, deitada na mesma posição que eu e não muito longe de mim. Tive a impressão de que ela era bonita. Pelo jeito, um dos assaltantes também teve. Vi com o canto dos olhos um par de tênis pretos andando em direção a ela. Maldita seja a curiosidade, mas levantei um pouco mais a cabeça, apenas o suficiente para ver que o sujeito encapuzado empunhava uma pistola com uma mão e, com a outra, erguia a moça.

Meu coração disparou. Ia levar ela embora com ele. Dizem por aí que todo mundo tem seu dia de herói. O meu havia chegado. Precisava fazer alguma coisa, rápido, para salvar a honra e quem sabe a vida daquela garota. Não conseguia ver muito bem, de modo que isso deve ter sido mais um pressentimento, mas percebi que o assaltante, andando atrás dela e com a arma apontada para suas costas, iria passar bem ao meu lado. A coisa ia ser rápida. Assim que ela passasse, colocaria o pé no caminho do sujeito e ele viria ao chão. Como uma cobra, saltaria em cima dele e pegaria a arma. Antes que o resto do grupo tivesse percebido o que aconteceu, já estaria com eles rendidos na minha mira. Daí, bastava pedir para alguém ligar para a policia. E, quem sabe, ainda não conseguiria o telefone da garota? Então foi assim. Ela passou, como previsto, bem do meu lado. Ele também fez a rota que eu imaginava. Coloquei meu pé em seu caminho. Fiz com que ele tropeçasse. Porém, como não previsto, ele não caiu no chão e, quando me virei para dar o bote, apenas percebi sua arma apontada para minha direção. Senti gosto de sangue na boca. Não me lembro de mais nada.

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